Artigo: Para um novo Fundeb, o tempo não é agora
A proposta de um novo Fundeb, em princípio pronta para ir à votação no Congresso, não deveria ser votada neste ano. O tempo para uma mudança mais profunda na lei do fundo, que garantiu mais equidade entre os gastos dos municípios com educação, não é agora. Dou algumas boas razões para isso.
A primeira e mais óbvia é a pandemia. Ainda que seja possível aprovar a PEC em cenário tão confuso, a necessária votação de sua lei de regulação, somente com a qual a efetiva distribuição de recursos poderá ser feita já para o ano que vem, é inviável. O sistema precisa agora de recursos emergenciais e não da discussão de novas lei de financiamento.
A segunda é o impacto que as reformas tributária e administrativa - ainda mais fundamentais, mas também imprevisíveis -, no pós-pandemia, terão nos recursos humanos e financeiros da educação. Elas precisam estar em vigência para que se possa dimensionar as suas consequências para a área e seu financiamento de longo prazo.
A terceira é de cunho conceitual. Deve uma legislação sobre distribuição de recursos para entes públicos estatais que são parte de um sistema muito mais plural de oferta de educação ser constitucionalizada? Minha resposta é não, sob pena de definirmos o todo pela parte. A proposta em debate tem como pressuposto tácito, nunca discutido, que a educação pública básica no país é estatal e constitucionaliza o conceito mediante regras de distribuição de recursos que são típicas das redes públicas, como, por exemplo, determinar que 70% dos recursos deverão ser usados para “profissionais da educação básica em efetivo exercício”. A regra nada tem a ver com a remuneração de professores de escolas comunitárias. Em Porto Alegre, temos mais de duzentas dessas instituições na educação infantil e três que ofertam esta etapa e também o ensino fundamental – e o pagamento delas passa por outros instrumentos legais, como a lei 13.019/14.
O vício de origem da proposta em discussão é que a atual lei veda o uso de recursos do Fundo para alunos regulares do ensino fundamental e médio que não sejam de escolas públicas estatais. A Constituição, em seu artigo 213, não traz essa limitação. Verbas públicas para educação podem ser usadas por instituições sem fins lucrativos. A proposta em debate não muda o artigo 213, mas as mudanças no artigo 212, porque baseadas na lei atual, induzem a que o sistema educacional brasileiro seja ainda mais orientado para o modelo estatal. Essa discussão não foi feita nesses termos e não parece sensato que uma sociedade defina constitucionalmente um modelo educacional excludente. Menos ainda de modo inadvertido.
Por tudo isso, o mais sensato é prorrogar a lei atual por mais quatro anos, mas, em consonância com a Constituição, sem as limitações de uso de seus recursos para custear alunos da educação básica pública não estatal. Experiências nessa modalidade têm de informar as discussões futuras.
Adriano Naves de Brito
Secretário Municipal de Educação
* Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo de 13 de julho de 2020.
Fabiana Kloeckner