Evento discute visibilidade e atendimento à população trans
Um auditório lotado da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA) acompanhou na tarde desta quinta-feira, 31, duas mesas de debate que discutiram direitos, experiências, dificuldades e avanços em relação ao atendimento de pessoas trans e travestis na área da saúde do Rio Grande do Sul e, em especial, em Porto Alegre. O evento é alusivo ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado em 29 de janeiro. (Fotos)
O seminário pela Visibilidade Trans foi uma promoção conjunta das secretarias municipal e estadual de Saúde (SMS e SES), com apoio das organizações sociais HTA (Homens Trans em Ação), Igualdade RS – Associação de Travestis e Transexuais do RS e Somos. Na plateia, trabalhadores da área da saúde, estudantes, professores, profissionais de diferentes áreas de atuação, travestis e homens e mulheres transexuais de diferentes faixas etárias compartilharam experiências e debateram melhorias para a garantia do acesso à rede de saúde da população LGBTQ+.
Ao dar as boas-vindas aos participantes, a pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Cultura da UFCSPA, Débora Coelho, enfatizou a importância da acolhida ao evento. Ela lembrou que a UFCSPA como lema a unidiversidade. “Somos responsáveis pela luta contra todo tipo de discriminação. Temos convicção de que a formação em saúde é mais qualificada quando toda a diversidade tem visibilidade”, exalta.
Na primeira mesa da tarde, o representante da SES Iuday Motta trouxe aos presentes números parciais de um relatório estadual elaborado a partir de notificações de serviço de saúde sobre atendimento de casos de violência contra população LGBTQ+. O técnico destacou que desde 2009 a notificação da violência autoprovocada ou interpessoal é obrigatória e compulsória. No entanto, a subnotificação é um dos resultados do relatório.
“De 76.478 fichas analisadas, apenas 577, ou 0,8% foram relacionadas à questão de gênero”, diz Motta. A análise foi feita nos anos de 2014 a 2017. Um dos aspectos destacados no estudo foi a motivação das agressões ou automutilações. As categorias de motivação incluem sexismo, LGBTfobia, conflito geracional, além de “outros” e “ignorada”. As categorias outros (que inclui autoagressão e suicídio) e ignorada correspondem a mais de 44% no caso das travestis, 57% nas mulheres trans e 55% dos registros de atendimento de homens trans. “Aumentar a sensibilização de profissionais da rede de saúde para o preenchimento da ficha e qualificar esse preenchimento é urgente”, resume Motta.
Na mesma mesa também participaram a professora da rede estadual de ensino Adriana Souza e o coordenador da ONG Somos, Vincent Goulart. Segundo Goulart, a história das violências pode ter diferentes contextos, mas um fio condutor comum. Ele enfatizou a necessidade dos serviços de atendimento promoverem reflexões sobre a prática e rever modos de atendimento. “Parece que estamos sempre pedindo licença para ter a nossa cidadania”, diz. Ele lembrou que ainda hoje travestis e transexuais são vistos como pessoas com transtornos ou disforia.
A professora Adriana Souza alertou que para além da celebração do 29 de janeiro, “visibilidade também é mostrar que a gente pode estar em todos os lugares, e nesse caminho a violência pode estar presente”, afirma. “Precisamos desconstruir paradigmas, contar com parcerias de todas as pessoas”, conclui, após abordar para o público o processo de conhecimento de uma pessoa trans. “Passamos por todos os problemas de adolescentes cis ou heteronormativos”, explica.
Na etapa final do seminário, a mesa foi composta por Marcelly Malta, que apresentou um panorama do 29 de janeiro no país desde a primeira celebração, em 2004, Simone Ávila, da SMS, e Phelipe Caetano, da HTA. Simone destacou experiências e ações que vêm sendo implementadas na rede municipal, como a capacitação de profissionais e visitação a unidades de saúde para discutir a temática e sensibilizar profissionais. Entre os projetos está o Transdiálogos, que até o final de 2019 terá visitado todas as 141 unidades de saúde da rede. “Nossa busca é para garantir respeito, acolhimento, continuidade de tratamento e resolução dos problemas”, afirma Simone. Nesse processo de capacitação e sensibilização, até março próximo, 119 unidades terão sido visitadas, com 75% dos profissionais abrangidos.
Caetano frisou que todos os cidadãos integram a diversidade humana, mas a rede de atendimento ainda não está preparada para esta diversidade, que traz especificidades para o cotidiano dos serviços de saúde. “Além da sensibilização, os sistemas de informações precisam ser atualizados. Não basta uma pessoa trans ou travesti poder retificar o nome. É preciso que um homem trans tenha acesso a consultas ginecológicas sem que haja travamento de sistema”, exemplifica.
Fabiana Kloeckner