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Para o Conselho, o projeto de Lei do Executivo para o Fundo Municipal de Saúde impõe entraves à participação comunitária e apresenta incompatibilidades com as leis federais que regulamentam o SUS
Na noite de quinta-feira, (3/07) conselheiras e conselheiros de Saúde aprovaram a análise técnica elaborada pela Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA) sobre o projeto de Lei Complementar (PLCE) nº 007/2025 relativo ao Fundo Municipal de Saúde (FMS), apresentado pelo Executivo à Câmara Municipal.
Mesmo sendo o PLCE resultado de uma exigência legal e que responde à representação do CMS, em 2016, ao Ministério Público Estadual (Ação Civil Pública - ACP - nº 001/1.18.0078671-0), o parecer técnico aponta que a proposta de lei impõe entraves à participação comunitária e incompatibilidades com a LC Federal nº 141 de 2012, que regulamenta os critérios de financiamento, execução e controle social do Sistema Único de Saúde (SUS). Na época, o CMS solicitou a adequação do Município à LCF e obteve sentença favorável da ACP, que condenou Porto Alegre a criar conta corrente do FMS com a finalidade de movimentação dos recursos financeiros próprios, na condição de contrapartida na saúde, além de atribuir à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) a gestão dos recursos.
Embora o texto mencione o CMS e faça alusão à transparência e à participação, segundo o parecer da Cofin, há diversos elementos que esvaziam ou limitam o papel do controle social, contrariando à legislação federal do SUS. A análise registra que o CMS é citado apenas como destinatário para “apreciação” dos instrumentos de gestão, e não para deliberação - em desacordo com o que regra a LC 141/2012 sobre a garantia da participação deliberativa do conselho. Além disso, o PLCE prevê que o secretário de Saúde aprove as propostas orçamentárias, planos e relatórios sem subordinação à deliberação do CMS, o que fere o artigo 36 da LC 141/2012, que atribui ao Conselho o papel de aprovar os instrumentos de gestão.
Conforme o parecer, o artigo 13 da proposta de lei afirma que “as deliberações dos órgãos de controle da administração pública não vinculam as decisões e atos do chefe do poder Executivo e do secretário municipal de Saúde”, o que anula o controle social e fere as leis federais 141/2012 e 8.142/1990, que exigem a deliberação colegiada com caráter vinculante. Ainda por cima, o artigo 22 da proposta de lei prevê a regulamentação por decreto da participação comunitária, o que subordina um princípio constitucional à norma infralegal, ação inconstitucional e que fere a LC 141/2012.
O Colegiado deliberou que a SMS revise os artigos 9, 11 e 13 do PLC, assegurando que o CMS tenha papel deliberativo nas decisões estratégicas (planos, relatórios, orçamentos); exclua o parágrafo único do artigo 13, que retira eficácia das deliberações do conselho; inclua artigo específico sobre audiências públicas quadrimestrais, conforme artigo 36 da LC 141/2012; e assegure a participação do CMS na programação financeira e na definição de diretrizes de despesa.
Já em relação à autonomia da SMS frente ao FMS, para o CMS, mesmo o secretário de Saúde sendo ordenador de despesas, não possui autoridade na gestão dos recursos do Fundo frente ao centro de Governo. Com isso, o Colegiado definiu que seja incluído um artigo que vede o remanejamento, transposição, cancelamento ou a abertura de créditos adicionais relativos às dotações do FMS sem anuência expressa do secretário de Saúde e do CMS. Esta inclusão foi apontada devido ao decreto nº 21.530 de 2022, que abriu créditos suplementares no executivo municipal prevendo a utilização de recursos do FMS para utilização na Secretaria Municipal da Educação/Ensino Fundamental e Infantil e Especial. Além disso, os conselheiros e conselheiras definiram pela inclusão de um artigo que assegure à SMS autonomia para programação, autorização e encaminhamento de despesas relacionadas às ações e serviços de saúde, observados os créditos orçamentários disponíveis e as diretrizes do Plano Municipal de Saúde.
Sobre o valor financeiro mínimo a ser aplicado anualmente pelo Município em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), com recursos da receita líquida de impostos e transferências, foi apontada a necessidade de um artigo que estabeleça que o valor mínimo corresponderá ao montante executado no exercício anterior, atualizado pela projeção oficial do índice nacional de preços ao consumidor, vedada a aplicação de percentual inferior a este cálculo.
Para o Conselho de Saúde, a situação de emergência da dengue em Porto Alegre é resultado direto de um acúmulo de falhas estruturais e omissões do Governo
Na reunião do plenário de quinta-feira (24/04), a gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) apresentou, aos conselheiros de saúde, as ações de enfrentamento da epidemia e dados sobre a doença. Em contraponto, o Conselho Municipal de Saúde (CMS/POA) expôs uma análise técnica comparativa sobre os resultados das metas relacionadas à dengue nos relatórios de gestão da SMS de 2022 a 2024. A pauta ocorreu após o Município decretar emergência de saúde na cidade.
Durante o encontro, o CMS cobrou da gestão a implantação de planejamento estratégico e políticas públicas adequadas para enfrentar a situação com capacidade resolutiva. Para o Conselho, o decreto, publicado no dia 17 de abril, é resultado direto de um acúmulo de falhas estruturais e omissões da gestão no controle vetorial da dengue, evidenciadas nos relatórios de gestão e alertadas pelo CMS desde 2023. De acordo com os apontamentos, a atuação do Exército e a instalação de estruturas emergenciais evidenciam a substituição de ações sistemáticas por respostas pontuais e paliativas.
Em 2024, o Município realizou ações de controle vetorial em apenas 6,76% dos casos confirmados e armadilhas com vetor positivo. Isso representa um deficit de resposta de mais de 80%, prejudicando diretamente a contenção da transmissão. Além da redução expressiva da aplicação de inseticida, 67% menos bloqueios químicos do que em 2023. Mesmo com o aumento do risco, houve redução operacional em ações fundamentais de enfrentamento ao vetor Aedes aegypti.
Em 2023, o índice médio de infestação de fêmeas adultas de Aedes aegypti (IFMA) atingiu um pico de 2,18 (nível crítico), e a circulação viral aumentou, com maior número de armadilhas positivas e 19 semanas de infestação crítica (contra 16 em 2022). Isso reflete um agravamento do cenário epidemiológico.
Subdimensionada frente ao cenário de epidemia e ao tamanho da população, Porto Alegre conta com apenas 84 Agentes de Combate a Endemias (ACEs), que são os profissionais responsáveis pela execução das atividades de combate ao Aedes aegypti realizadas nos imóveis. O tamanho reduzido da força de trabalho dos ACEs reflete diretamente na fragilidade na capacidade de resposta da cidade diante da infestação do mosquito. Segundo orientação da nota técnica estadual, a proporção de ACEs deve ser de um agente para cada 800 imoveis em municípios considerados infestados (com a presença do vetor nos domicílios). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, a cidade tinha, apenas em domicílios particulares, um total de 686.414 imóveis. Considerando este valor, o Município deveria contar com 858 ACEs, no entanto, a cidade conta apenas com 9,79% do necessário de ACEs para o combate de epidemias.
Presente na plenária, a ACE e conselheira de Saúde Raquel Trassante falou sobre a importância do trabalho desenvolvido em campo pelo agente e solicitou à gestão a urgência na criação de novos cargos para esse profissional. “Nós fazemos um trabalho de formiguinha e, apesar de estarmos em um número extremamente reduzido de ACEs, se não estivéssemos na rua o número de casos apresentados hoje pelo governo seria muito maior”, denunciou Raquel. A conselheira também destacou que o valor do pagamento desse profissional não sai do Município, e, sim, diretamente de verba federal, com isso, explicou que a justificativa utilizada de falta de recursos não se aplica.
"Essa história da dengue já existe há muitos anos, é uma luta que não é de agora. No entanto, hoje existem muitos focos e descampados e muito pouca ação de parcerias como eram feitas (no passado) e eram muito boas. Antigamente haviam parcerias intersecretarias, ocorriam reuniões conjuntas com DMLU e meio ambiente, nas quais eram pensadas e planejadas ações intersetoriais que devem ser lembradas", disse a conselheira e agente comunitária de saúde, Janete Mariano, trabalhadora pela região da Restinga. Sobre o trabalho de campo feito pelos agentes de saúde, Janete pontuou a dificuldade dos trabalhadores que - mesmo em número mínimo e em regiões extensas como na Restinga - realizam seu trabalho a pé, sem amparo da gestão em relação ao transporte.
Para a trabalhadora da Atenção Básica e conselheira representante do CRESS, Tiana Brum de Jesus, o problema da dengue é uma questão multifatorial e as carências estabelecidas na cidade são muitas. “Estamos falando de uma série de faltas, na zona Norte o número de ACEs não chega a 20 trabalhadores, também não há uma diretriz do monitoramento para a vigilância dos casos na Atenção Básica. Além disso, há falta de ação de educação ambiental para o cuidado com o nosso meio ambiente”, destaca Tiana.
Outro ponto criticado pela conselheira de Saúde foi a falta de água nas regiões e a falta de investimento em saúde para a população mais vulnerável. “A principal medida de cuidado para a doença é a hidratação, porém houve falta de água durante três dias da zona Norte (área com maior incidência da doença), isso é uma violência contra as comunidades. Entretanto, a cidade investe dinheiro público em eventos privados realizados em áreas públicas, temos um modelo de cidade que está fadado ao fracasso”, denunciou Tiana.
Ao final da plenária, os conselheiros deliberaram que o CMS solicite aos órgãos de controle do estado a apuração ao que consideraram "omissão da gestão no combate à dengue".
A plenária foi transmitida ao vivo e está disponível no canal do youtube do CMS.
(Notícia editada às 18h57, inclusão da fala da ACS Janete)