Prefeito Melo repete 2024 e corta 47% dos recursos para a Saúde.
Conforme salienta os apontamentos da Comissão de Financiamento e Orçamento do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (COFIN/CMSPOA), que analisou as despesas que se enquadram nas Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), a proposta do Projeto de Lei Orçamentária Anual 2025 (PLOA 2025) enviada pelo Governo e que tramita na Câmara Municipal de Porto Alegre (CMPA) teve um corte de 47,18% do solicitado tecnicamente pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Segundo as informações do documento, foi solicitado pela SMS recursos da fonte municipal no valor de R$ 836.759.033,00, previsão para dar conta das despesas de demandas atuais e novas necessárias, não incluindo as despesas de pessoal. Porém, foi autorizado pelo Prefeito apenas R$ 441.971.257,00, “o que inviabiliza o atendimento mínimo das necessidades em saúde, já defasadas e acumuladas em demandas represadas”, destaca o parecer técnico da Cofin. A partir destes cortes, a SMS encaminhou para Secretaria de Planejamento e Assuntos Estratégicos (SMPAE), via SEI nº 24.0.000091076-3, despacho nº 30545095, um relatório com os excedentes não contemplados.
Os apontamentos da COFIN, aprovados pelo plenário na última quinta-feira, 21, retratam que, em relação aos investimentos municipais pela Receita Líquida de Impostos e Transferências, que é arrecadação de recursos próprios, a Prefeitura de Porto Alegre segue adotando a estratégia de suplementações orçamentárias. O que fica demonstrado pelo valor encaminhado no PLOA para as ASPS 2025 de R$ 984.207.708,00 que é 1,84% inferior ao valor atualmente orçado no ano de 2024, no valor de R$ 1.002.676.137,58. Segundo a Diretoria do Fundo Municipal, desde o segundo quadrimestre foram necessárias suplementações para cumprir os contratos existentes.
O orçamento e o planejamento no SUS: meras peças de ficção?
“A Prefeitura enviou o Projeto com valores flagrantemente insuficientes, levando a necessidade de suplementações orçamentárias ao longo do exercício para cobertura de despesas já contratadas ou planejadas”, destaca a análise da COFIN. Para os membros da Comissão é consenso, que este tipo de gestão financeira compromete o planejamento e dificulta uma resposta eficiente às demandas de saúde, impedindo a implementação de melhorias contínuas e sustentáveis na Rede de Atenção à Saúde (RAS) da cidade. Com isso, o Governo distorce a previsão legal da Lei Complementar 141/2012 e transforma os instrumentos normativos do planejamento e ciclo orçamentário financeiro em meras peças ficcionais.
Além de distorcer o papel do orçamento como ferramenta de planejamento, a utilização da suplementação como forma ordinária de gestão, interfere na capacidade de respostas adequadas da SMS para o fortalecimento da RAS e das Políticas específicas. “Tal lógica acaba por impor maior repasse de recursos para entidades privadas, através de formas de contratação inadequadas que ferem princípios da administração pública”, salienta o documento.
Em relação ao financiamento tripartite do SUS (Federal, Estadual e Municipal), o parecer chama atenção que o financiamento Municipal para o SUS vem diminuindo ao longo dos anos, conforme demonstrado nos dados apresentados no Relatório Anual de Gestão de 2023 .
Gráfico: Série histórica das despesas, por fonte, em regime de caixa de 2013-2023. Fonte RAG 2023

No que se refere à despesa em saúde com recursos próprios por habitante, num comparativo com as médias nacional e estadual, Porto Alegre gastou, em 2023, R$ 703,02 por habitante com saúde, sendo a média nacional para os municípios o valor de R$ 734,09, e a média estadual de R$ 767,39. Quanto ao percentual aplicado em Saúde, “Porto Alegre aplicou 21,58%, contra 22,91% aplicado pelos municípios do Rio Grande do Sul e 24,17% pelos municípios do Brasil”.
O parecer aponta que a partir dos dados do Relatório de Gestão Fiscal (RGF) é possível verificar uma melhora da situação financeira do Tesouro Municipal, que encerrou o exercício de 2023 com R$ 557.154.757,32 de disponibilidade de caixa líquida, ou seja, já descontado os valores para o pagamento dos compromissos assumidos. Essa evolução da disponibilidade de caixa líquida indica viabilidade de aporte maior de recursos próprios do município, mas contrasta com a escolha de diminuição do financiamento implantada pela Prefeitura.
Desfinanciamento Municipal do SUS: sucatear para privatizar?
O desfinanciamento do SUS na cidade é denunciado no documento, que destaca que a insuficiência dos recursos previstos tem se caracterizado, principalmente, por uma estratégia de cortes com os gastos de pessoal. Tal como a não reposição de servidores, que tem como consequência a diminuição da capacidade instalada na Rede de Atenção à Saúde, impactando diretamente, por exemplo, nas filas de espera para especialidades, exames e cirurgias.
Paradoxalmente no segundo quadrimestre de 2024, o Relatório de Gestão Fiscal indicava que a Prefeitura estaria 10 pontos percentuais abaixo do primeiro alerta de limite de gastos, previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A despesa de pessoal do município corresponde a 44,09% da Receita, sendo o limite de alerta 54%, o limite prudencial 57% e o teto - limite máximo 60%. Demonstrando factualmente a escolha do Prefeito em seguir a redução dos serviços próprios e a ampliação de contratação de terceiros para a assistência na cidade.
Por outro lado, a análise destaca os dados do Relatório Anual de Gestão de 2023, em que a despesa com contratos de mão de obra triplicou no período de 2018 a 2023, principalmente pela substituição da força de trabalho de servidores públicos concursados por contratos terceirizados ou parceirização de serviços próprios municipais. A significativa redução de trabalhadores estatutários da SMS já resulta numa perda acumulada de 673 servidores ao longo do mesmo período (2018 – 2023).
Para a COFIN, a redução do valor orçado em despesas de pessoal evidencia uma política insustentável frente a necessidade de reposição das vacâncias de afastamentos definitivos de servidores e demonstra a efetivação da estratégia de substituição dos servidores públicos concursados por trabalhadores contratados por terceiros. Destaca a análise: “podemos inferir que a gestão optou pela estratégia de ””sucatear para privatizar””, com impacto negativo direto na estabilidade e eficiência dos serviços prestados”.
Relatório de excedentes (cortes). Que orçamento é esse que desconsidera o essencial?
O relatório técnico enviado pela SMS ao centro de governo registra as ações e serviços que ficarão de fora com os cortes feitos no solicitado inicial. A análise ressalta que este modelo de gestão de Saúde impacta na constante falta de assistência, que é vivenciada diariamente pelas pessoas que dependem dos serviços, especialmente nas periferias e nas comunidades, causando o agravamento da situação de morbidade da população pelo não atendimento às suas necessidades reais.
Entre os muitos cortes que impactam o dia a dia da população, destaca-se o acesso à saúde e acessibilidade às pessoas com deficiência aos serviços. Foram cortadas: a construção de um novo Centro de Reabilitação CER IV e de um banheiro com acessibilidade universal, adaptado para pacientes estomizados, no Centro de Saúde Vila dos Comerciários, e a reforma dos elevadores do Centro de Saúde Santa Marta. Todas elas constam como compromissos assumidos em forma de metas no Plano Municipal de Cuidados à Saúde das Pessoas com Deficiência 2022-2025 (metas 15, 21 e 23).
Em relação a algumas obras, entre os cortes da Atenção Básica, estão a obras da unidade de saúde Senhor do Bonfim e no Centro de Saúde Modelo, as contratações de projetos executivos para a Clínica da Família Assis Brasil, Timbaúva e Porto dos Casais, além da aquisição de geradores para as unidades de saúde.
Já na Assistência Farmacêutica, entre tantos “excedentes” destaca-se o corte para a compra de espaçadores para crianças em uso de dispositivos inalatórios, a compra de equipamentos para a rede de frio, a locação de veículos e de motoboy para realização da logística de medicamentos, e, principalmente, o valor de R$ 19 Milhões para compra de medicamentos. A SMS estimou a necessidade de R$61.117.400,00 para a compra de medicamentos, tendo sido contemplado apenas o valor de R$41.807.718,00.
Os cortes atingem drasticamente uma área já extremamente deficitária e que vem sendo demandada cada vez mais pela população de adultos, adolescentes e crianças, a Saúde Mental. O Município retira o orçamento para a abertura de um novo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III e um novo CAPS i III, que deveria atender crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de problemas mentais graves. Entre os que foram cortados também estão a abertura de 10 novos Serviços de Residencial Terapêuticos (SRTs) e uma Unidade de Acolhimento Adulto. “É inconcebível que novamente haja cortes na Rede de Atenção Psicossocial, sendo que a única meta de Saúde Mental existente no Plano Municipal de Saúde (PMS) 2022-2025 e que não vem sendo cumprida desde 2022”, denuncia a Cofin.
Entre os cortes nas ações de enfrentamento às doenças consideradas prioritárias, destaca-se a reforma do ônibus do programa Fique Sabendo, o vale refeição para pacientes em tratamento da tuberculose, a contratação de motoboy para logística de medicamentos e exames, e, ainda, a aquisição de equipamentos portáteis (Raio X e Maleta TRM) para diagnóstico e tratamento da Tuberculose. O relatório indica que estas ações estavam previstas na Programação Anual de Saúde por serem importantes para atingir a meta de aumentar a taxa de cura de novos casos de Tuberculose para 60%, que em 2023 foi de 38,46% (dados provisórios). Também destaca que a capital, em 2023, apresentou um coeficiente de incidência de Tuberculose de 83 casos para cada 100 mil habitantes e que os dados de Porto Alegre são superiores aos verificados no Estado (40/100mil hab.) e no Brasil (37/100 mil hab.).
Com os cortes no orçamento, a Cofin adverte que se “acendeu o alerta vermelho para a Dengue”, pois nos excedentes ficaram a contratação de armadilhas para monitoramento da dengue e de bloqueios de transmissão vetorial do mosquito. “A redução da inserção de armadilhas na cidade é um corte de recursos em área extremamente sensível e grave e evidenciam a irresponsabilidade e a omissão do centro do governo municipal com a saúde pública”, afirma o documento.
Referente ao custeio de serviços de média e alta complexidade para a Operação Inverno 2025, chega a ser curioso o valor contemplado no PLOA 2025, que é inferior ao executado em 2024. O empenhado pelo Município até outubro de 2024 foi de R$ 6.616.151,48, já o lançado para 2025 ficou em R$3.121.500,00. Entre os cortes, a Comissão destaca a aquisição de insumos para os hospitais, o custeio da ampliação do atendimento em prontos atendimentos, e o credenciamento para contratação de novos leitos.
Todos os demais inúmeros cortes estão detalhados nos apontamentos da Cofin. (acesse)
Deliberações do CMS/POA
O CMS reitera que as decisões sobre os recursos destinados à Saúde seguem sendo gerenciadas pela Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos (SMPAE) e não pela SMS, contrariando a Lei 141/2012 e a decisão judicial cuja sentença condena o Município a ter conta corrente do Fundo Municipal de Saúde para movimentação dos recursos financeiros próprios e atribuir à SMS a gestão dos recursos.
Os apontamentos da Cofin serão encaminhados para o Prefeito Sebastião Melo, Secretário de Saúde, Fernando Ritter, para o presidente da CMPA, Mauro Pinheiro, e demais vereadores, assim como para conhecimento e providências dos órgãos de controle para medidas que considerarem pertinentes.
Por fim, o CMS recomenda aos vereadores que priorizem o encaminhamento de emendas aos serviços próprios da Secretaria Municipal de Saúde e, inclusive, a fim de garantir emendas na LOA dos excedentes apresentados nas áreas assistenciais. Também alerta sobre o encaminhamento de recursos a entidades privadas: “avaliem se estas entidades estão com seus contratos regulares quanto a prestação de contas e que exijam contrapartidas objetivas que estejam alinhadas com as necessidades da população, como a redução das filas de consultas e exames”.
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