Conselho debate sobre os direitos da população em situação de rua em plenária alusiva ao Dia de Luta Antimanicomial
A plenária do controle social do SUS marcou o 18 de maio com o painel "A articulação da Luta Antimanicomial na garantia do cuidado em liberdade das pessoas em situação de rua: uma agenda necessária para a Política de Saúde Mental". O objetivo foi fortalecer a discussão sobre a população em situação de rua no que diz respeito a garantia dos direitos e do cuidado em liberdade por meio do acesso à saúde em uma rede de atenção psicossocial.
A abertura oficial do evento contou com a presença da coordenadora do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA), Maria Inês Bothona Flores, do vereador Alexandre Bublitz, da coordenadora da Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Marta Fradique, do representante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Rio Grande do Sul (MNPR/RS), Nilson Lopes, da representante do Conselho Estadual de Saúde do RS, Alair Silva, e do conselheiro Darcy Vieira Gulart, representando os usuários da Comissão Saúde Mental (CSM) e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
O painel de debate do encontro teve a participação da defensora pública estadual Gizane Mendina Rodrigues, do psicanalista Jorge Broide (on-line), da profª. dra. Mônica Dowbor, e do representante do MNPR no Conselho Nacional de Saúde Vanilson Torres (on-line). A moderação foi da psicóloga Ana Paula de Lima, conselheira municipal de Saúde e coordenadora da CSM.
Ana Paula fez uma retrospectiva das deliberações do CMS/POA e das conferências de Saúde e de Saúde Mental e denunciou que ao invés da cidade avançar na política pública em relação à proteção e cuidado da população em situação de rua o que houve foi um retrocesso, referindo-se principalmente à Lei nº 14.182, de janeiro deste ano, que instituiu a Política Pública de Internação Humanizada em Porto Alegre. “Como resposta às deliberações, nós tivemos a surpresa infeliz da publicação dessa lei, que é uma reafirmação da política higienista, viola direitos humanos e vai na contramão dos princípios do SUS e da atenção psicossocial. A lei é incompatível com o que temos de normativas da política nacional de saúde mental”, disse Ana Paula.
Segundo Gizane, a população em situação de rua possui um tratamento jurídico diferenciado e que, justamente por reconhecer a situação de vulnerabilidade social dessa população, é um tratamento protetivo que visa a superação dos problemas e não pode ser ainda mais excludente. Referindo-se à Capital, a defensora pública citou dois exemplos de ações direcionadas à população em situação de rua e que são arbitrárias ao ordenamento jurídico, o decreto nº 22.509/2024, que trata de procedimentos e tratamento à população em situação de rua durante a zeladoria urbana, e a lei de internação humanizada (14.182 de 2025). De acordo com Gizane, a defensoria, durante as ações amparadas pelo decreto, recebeu denúncias de ações truculentas com remoção forçada das pessoas, destruição de bens pessoais e de instrumentos de trabalho, especialmente dos catadores e das catadoras. Sobre a lei, Gizane falou que “por óbvio há um direcionamento a uma população e que não pode ser permitido”, referindo-se ao público que a lei é direcionada (população em situação de rua). A defensora informou que a Defensoria está monitorando a implementação da lei e analisando a possibilidade de medidas judiciais em relação a ela.
Conforme a professora Mônica, baseada nos dados do levantamento sobre a população em situação de rua no RS (para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 976 no Supremo Tribunal Federal), as políticas públicas direcionadas para a população em situação de rua nos municípios do RS são continuamente insuficientes. Em relação a abrigos noturnos, por exemplo, apenas 18,77% da população em situação de rua identificada no estudo teve acesso a essa proteção. Para Mônica, para que as pessoas saiam das ruas é preciso oferecer um combo com oferta de moradia, acompanhamento e geração de trabalho e renda.
Torres falou sobre o preconceito e estigma que resultam em violência sofrida pela população em situação de rua e apresentou dados nacionais do observatório da Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais. De 2020 a 2024, 46.865 violências foram registradas contra a população em situação de rua no disque 100, sendo 50% delas nas capitais brasileiras, muitas sofridas em estabelecimentos de saúde e órgãos públicos. “Há um preconceito generalizado que muitas vezes não conseguimos ser atendidos pelos serviços, ainda há um desconhecimento sobre as reais situações que levam as pessoas às ruas”, destacou Torres.
Para Broide, que trabalha desde 1976 com a população em situação de rua, o Estado, para implantar as políticas públicas relacionadas à população em situação de rua, deveria se apropriar e conhecer os saberes por trás da vida das pessoas que estão nas ruas. “Ninguém vai para rua à toa, isso não existe, quando alguém vai para a rua é porque teve rupturas muito importantes na vida. E, na rua, tem que refazer a vida, refazer as amizades, ganhar dinheiro e sobreviver”, disse. Conforme o professor, o Estado tem que conhecer o impacto das remoções na saúde mental da pessoa em situação de rua. “Ela terá que refazer tudo outra vez, tudo que com muito esforço demorou para conseguir e para sobreviver na rua. Esse é um saber que as políticas públicas poderiam entender. As pessoas voltam às ruas porque toda a vida delas está lá”, falou Broide.
O encaminhamento da reunião foi a articulação do tema de saúde mental da população de rua dentro da Política de Saúde Mental do Município, que deverá ser apresentada aos conselheiros e conselheiras. Em 2022, a SMS apresentou ao plenário o documento da Política de Atenção Psicossocial. Entretanto, a Política de Saúde Mental como um todo não foi apresentada porque houve um acordo entre o núcleo de coordenação do Colegiado e a CSM, à época, de que a coordenação da Saúde Mental/SMS apresentasse o documento posteriormente, alinhado às deliberações da 4ª Conferência Municipal de Saúde Mental, que ocorreu em abril de 2022. “Estamos aguardando esta atualização para que a pauta seja levada ao plenário do CMS, ainda mais que estamos no período de elaboração do Plano Municipal de Saúde 2026-2029 e é fundamental que a saúde mental seja prioridade, assim como a saúde da população em situação de rua dentro desse plano”, destacou Ana Paula.
Também foi reafirmada a posição do Conselho quanto ao pedido de anulação da Lei 14.182/2025 e a necessidade do monitoramento das internações das pessoas em situação de rua, bem como a implementação da comissão revisora das internações involuntárias no município, conforme deliberações da plenária de 2023 sobre o tema.
A atividade contou com a intervenção narrativa: “Gênero, loucura e cidade" do projeto de extensão AT na Rede /UFRGS e as exposições do jornal Boca de Rua e da Rede Geração Pop Rua. O evento foi uma realização da Comissão de Saúde Mental do CMS/POA.
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